23 março 2011

Carta de um Palhaço

Vejo sua imagem no topo de uma árvore. A mais alta num jardim sem flores. Sou apenas uma criança. Aquela solitária que sonha construir uma vida sobre os galhos velhos, contudo, puramente jovens. E como eu gostaria de ser o vento para soprar o topo da árvore. Tua pele.
Sou apenas uma criança de um sonho puro. Sou fraco e pequeno.

O tempo pode ser meu maior aliado hoje. Se não fosse pelo mesmo. Deixaria tudo sumir como fumaça. Mesmo que a fumaça não suma por completo. Ainda que com esse pensamento fosse capaz de esquecer-me do ultimo mês. Mas é impossível que minha força seja grande o bastante para matar a essência de um ano de sonhos.
Desde a primeira noite, mesmo sentindo como se não fosse o primeiro suspiro. Quando coberto de estrelas na noite quente e confortável. A observar os olhos de criança num palco vivo de emoções. Ao som de um acordeão que cantava musicas de um tempo antigo. Sentindo cada tecla do piano bravo que toca feroz os segundos em que o circo pegaria fogo. Era somente um sorriso de um palhaço. Tão quieto e inocente com o coração prestes a pular fora da garganta com a emoção dos tambores e o fogo nas argolas. Foi tudo tão magnífico. Ainda sinto ofegante minha respiração.
Foram dias de gloria na fantasia de anéis de cabelo negro em uma pele de porcelana frágil. Silenciosa e Misteriosa. Caminhava calmo. Indo embora. Quando foi a hora que imaginei que o sonho havia acabado. Foi então o fim do mês de maio.
Os ventos uivaram com as chuvas e tempestades de calor das tardes de julho. Quando um festival trouxera vida de volta ao meu pobre coração. Que não tinha sossego desde a primeira ilusão. Antes dos palhaços nos sorrirem e incendiarem nosso coração. Foram-se varias noites até chegar àquela que considero sua. Logo apaguei as luzes e somente pude abrir meus olhos novamente nas noites de São João. Sentindo-me uma criança de dezessete pude sentir uma fraca melodia no murmúrio forte dos espectadores. Ela fugia calma de um sorriso pequeno. Nunca havia chegado tão perto. Nunca haveria de esquecer-me daquele segundo. A tua voz.
Quando os ventos mudam. E sempre o fazem. Dedico-me a paz de um lugar sereno que é mais meu. Um lugar de sonhos e de bancos de madeira. Quando troco o alimento pela doença é um vicio. Posso notar coberto por nuvens e calor solar mais uma vez a pele doce de porcelana dos olhos quietos; calmos e inocentes. Na rotina podia ver meu sonho acontecer por segundos novamente. Tão poucos, contudo, tão longos segundos. Tomavam-me vinte e quatro horas do dia num mundo de suspiros e fechar de olhos. Intenso momento que me dedicava inteiramente a vê-lo passando. Tão perto e sem conhecimento dos meus sentimentos. E de tudo que me acontecia num mundo imaginário que nos rodeava. Ou talvez, apenas a mim.
O mundo calou-se por um instante de coragem. Olhei-o de longe e rabo de olho e tive o então  encontro de seus olhos. Foi no mesmo instante que perdi minha visão. E cego acreditei na ilusão em que nos meus sonhos tornavam-se reais. Quanto gostaria de apagar todo esse passado ultrapassa o numero de estrelas no universo. Mas é impossível que minha força seja grande o bastante para matar a essência de um ano de sonhos.
Há castigos piores neste mundo. Privar-me de sua existência por segundos tem sido para mim o maior martírio dos últimos dezoito anos.  Situação a qual perco juízo e desconheço a razão. Momentos sem controle, quando penso se é capaz de existir alguma forma de amor nos meus devaneios. Sinto falta daquilo que nunca tive.


Márcio Mattos

Circulos Viciosos

Eu estou numa rota direta como um andróide e o meu coração bate como uma bomba. Sem você por aqui é desconfortável. Eu sempre preciso de você do meu lado e você me faz cair como se eu desmoronasse. O caminho que você me fez percorrer é traçado por estrelas no céu e dor a minha volta. E eu não sei por quê.
Tento fugir de você e tudo isso, mas acabo voltando. Dou um giro completo no caminho que fiz pra te encontrar. Não consigo sair dessa armadilha que você pregou em mim. Meu coração como uma bala. Tente fugir e permaneça parado como num circulo vicioso. Porque você sabe que a gente sempre volta. Sempre volta.
E como se eu acordasse toda manha começando tudo do inicio. Não é uma rotina como a que eu sonhei. Como um déjà vu sem fim. Peço-te para me deixar ir e você me segura na porta de saída com os olhos. Eu preciso sentir-me bem como se você fosse embora da minha vida ou se eu encontrasse um lugar qualquer para ir. Sei que não é aqui, pois as pessoas interferem naquilo que elas não sabem. O que eu sinto aqui dentro é tão secreto que nem eu mesmo posso definir. E eu não sei por quê. Não sei por quê. Não sei por quê.
Eu permaneço fugindo, tentando, cantando e gritando. Mas continuo enrolado no centro desde anel. Eu puxo essas cordas, mas nem as queimando consigo me livrar. Aquelas milhas que eu corri atrás de você tentando fazer alguma diferença não mudaram nada fora de mim e eu não sei por que tento fugir de você e tudo isso, mas acabo voltando. Dou um giro completo no caminho que fiz pra te encontrar. Não consigo sair dessa armadilha que você pregou em mim. Meu coração como uma bala. Tento fugir e permaneço parado como num circulo vicioso. Porque você sabe que a gente sempre volta. Sempre volta.
Matt Castan

02 março 2011

Liberdade e Fantasia

Alice ali deitada na cama de pernas cruzadas e de cabeça longe olhando o teto. Pensava no quanto o mundo era um lugar ruim. Não gostava das pessoas. Não gostava da cidade. Não gostava dos jardins de outono. Acreditava no caráter e no moralismo. Queria se mover. Porém era uma garota jovem. Jovem demais. Tinha a pele clara e lisa. Tinha a alma pura. Nunca havia feito nada de errado. Nunca havia tentado algo diferente. Mas ela era diferente. Mais velha do que todos os seus conhecidos. Mais madura que seus pais e mais sabia que seus avos. Era incoerente viver sobre essas circunstancias. Ela gostava de filmes de suspense e não acreditava nos escritores do amor. Lia livros bons e dignos de um velho de 60 anos. Ela não tomava nada artificial e não comia, simplesmente, nada. Água de manha no banho, à tarde no café e a noite antes de dormir. Sempre ali na sua cama. De madeira velha, como a casa, com cobertores de renda velha e cheiro de mofo. Ao seu lado na janela o vento sacudia o pinheiro do quintal. Sacudia como a vontade que a jovem menina tinha de se levantar da cama. Mas era, pra ela, tão confortável estar ali com a cabeça sobre as mãos. Descansava tão delicada que parecia calma. Sua cabeça girava como um tufão. Como seus conflitos flutuando num universo paralelo.
Alice não gostava do seu namorado. Alice não gostava de beijos, e nem tem caricias. Alice não gostava de meio de comunicação virtual. Não tinha telefone, não tinha internet, não tinha televisão no seu quarto. Alice tinha um pequeno radio velho de madeira de seu avo. Que escutava somente na hora de dormir. Alice pensou um pouco e viu que deveria se mover. Jogou as pernas para fora da cama e pôs-se sentada com as mãos sobre os joelhos. O cabelo levemente bagunçado com alguns fios caindo sobre o rosto.
Desceu as escadas com os murmúrios da família invadindo os ouvidos. Não deu atenção. Não deu adeus. Pegou um guarda-chuva e saiu pela porta da frente. Sem medo de fazer barulho. Sem importar-se com alguém que estava ali. E do lado de dentro o mesmo. Ninguém se importou quando ouviu Alice saindo do quarto. E descendo a escada e batendo a porta. Ninguém nunca havia se importado com a boca suja da menina. Ninguém nunca havia se importado com a falta de apetite e suas esquizofrenias. Aos olhos da família a menina era louca. E louca foi andando sobre as folhas que cobriam o caminho de pedra branca. Pedra solta que fazia barulho. Ela foi com a roupa do corpo. A roupa com que dormira noite passada. Nunca sorria, não abria a boca para nada. Seus olhos giravam lentamente sobre a paisagem. Parecia não conhecer aquela cidade horrível. Será que Alice um dia havia saído de casa? Caminhado pela cidade?
Alguns se vestiam bem, alguns tocavam violão na calçada. Alguns vendiam e alguns comprovam. Mesmo assim alguns roubaram. Alguns choravam e alguns eram bobos. Alguns eram feios e a maioria era hipócrita. E Alice levou o dia inteiro para chegar ao outro lado da cidade. Onde havia uma estrada cruzada por uma linha amarela.  Um homem sem camisa, de corpo jovem e semblante velho trocou o guarda-chuva de Alice por uma garrafa de água. Uma água estranha e ardente. A garota bebeu. E viu sua pele envelhecer um pouco. A partir de então a mulher continuou bebendo a água. Sem se preocupar. Um caminhão vermelho parou na beira da estrada e abriu a porta. Alice entrou e permaneceu calada ate beber a ultima gota do líquido desconhecido. O motorista, um bom homem, sorriu para Alice. Logo a mulher contou-lhe toda historia de sua vida incrível. De como nasceu e cresceu e fim. E o motorista fascinado abriu a porta para que a mulher descesse. Sem querer saber seu nome e sem contar seu nome. Sem agradecer e sem dizer uma palavra colocou seu pé no chão enquanto o cabelo voava atacando seus olhos. Olhou para cima e viu algumas desprezíveis estrelas brilhando. Com isso já sabia as horas, os minutos, os segundos e o clima. Como se estivesse em casa voltou no mesmo caminho. Adentrou a rua que abria a cidade e demorou toda a madrugada para chegar ao outro lado da cidade. Era tudo novo e diferente. Poucas pedras no caminho de casa. O pinheiro existia somente na raiz e num pequeno toco. O sol começou a nascer quando ela chegou do outro lado. A luz batia no seu rosto cansado lentamente. Não havia som, nem leves sussurros na cidade. Alice entrou com medo de fazer barulho. Subiu as escadas na ponta dos pés e achou ali no quarto uma cama de madeira podre. Um rádio queimado e um colchão com poeira. Deitou devagar. Deitou-se de lado com a cabeça sobre o braço esquerdo que deitava sobre o travesseiro. Uma lagrima escorreu quando fechou os olhos. Adormeceu devagar. E descansou.
Alice morreu na madrugada de oito de Abril. Trinta e sete anos depois de sair de casa pela primeira vez. Seu corpo não foi velado. Fez companhia a toda a poeira que jazia em cima do colchão.
Na casa antiga, na cozinha. A família comemorava mais um dia feliz. Depois de trinta e sete anos desde alguma coisa boa que havia acontecido na casa. Ninguém se lembrava mais o porquê da festa. Alguém dissera a trinta e sete anos atrás. “O dia mais feliz de nossas vidas. O dia da liberdade”.
Daniel Gualandris

Intocável pele

A dor de cabeça que não dói fisicamente. O coração batendo forte por minutos, horas e dias. Sem parar. Os olhos fixos na mão trêmula e a consciência focada no corpo debatendo-se como um ataque epiléptico. Como se eu não fosse aquele que sempre fui. Como se eu não conhecesse esse sentido sempre acontecido comigo. A falta do controle e a falta do foco na vida. Quando digo que estou com problemas no trabalho, porém o trabalho é meu corpo e minha alma. Minha necessidade de  ter alguma fonte de combustível. E a minha fonte passando longe como uma miragem. E rápida visão de ódio, não meu. Minha vergonha e minha dor desconhecida. Minha vontade e minha necessidade vêm à tona em segundos quando eu vejo a chuva caindo. E a chuva sem me tocar molhando o corpo. As lagrimas dos céus escorrendo sobre minha face. Minha roupa seca e minha pele suada. O som que me lembrava os sonhos, a música que me fazia dormir. Nada me conforta mais. Nada me acalma mais. Nada é capaz de me fazer parar. Eu quero parar e não consigo. A necessidade. Eu sempre sonhei com aquele tesouro. Eu sempre quis aquele arco-íris do céu e do mundo. Que deveria ser do meu mundo, que deveria ser meu. Eu queria que fosse ao meu lado que brilhasse. Eu queria ser essa cor morta por de trás da vida. Eu sou a nuvem negra que calma voa por ali. Sem falar. Sem pesar. Sem sentir e sem direito. Sem braços e de mãos atadas eu sou o melhor. Somente por debaixo da casca grossa das arvores velhas de milhões de anos. A minha beleza é rubra e forte. Minha beleza e muito, e ainda assim pouco, valorizada. Ela esta no meio de muito verde. No centro e quase impossível de ver. É preciso crescer, é preciso se elevar, é preciso ser maior para alguma valorização do valor da vida. Do valor do sentimento. Da minha vontade.
Eu queimo rápido feito álcool e explodo como gasolina no deserto sobre o sol quente. O sentimento é como isso. Instantâneo, ligeiro, veloz. É como a pétala que cai da ultima mulher do outono e quando toca o chão sobe ao céu como fogos de artifício. E como o sangue que pode vazar pelo diafragma oprimido como a ponta da agulha em poucos segundos e pode não ser. Tudo se limita na explosão dos sentidos pecaminosos. Do meu desejo. Tudo acontece de acordo com meus dedos. Tudo vem de mim e vai ao chão quando explode. Tudo vem do meu sonho e corta-me em brasa. Meus devaneios me cicatrizam de tal forma que sou incapaz de explicar. Meu amor é demasiado único e singular. Singular o bastante para afetar única, inteiramente e intensamente a mim. Somente meu corpo, somente minha alma e meus sentimentos. Minha necessidade e meu desejo. E é então que meus olhos ardem, minha pele padece perdendo a cor. Que meus pés perdem o equilibro e meu mapa se apaga me tirando do caminho. Perco a direção. Perco o sentido e o propósito. Perco a razão. Não tenho ódio. Tenho vergonha. Além de tudo que é certo... Tenho raiva de mim.
Como nos muros de tijolo seco. Sou um cartaz ilegível. Conto informações desconhecidas de lugares perdidos. Sou parte das ruínas. Sou uma arte sem valor e sou um lixo. Madames me olhos com desdém. Homens me cospem. Fui criado somente para aqueles que são capazes de ler nas entrelinhas. Somente para aquele que sabe sentir o que eu sinto quando me vê nos olhos. Pois nunca me olhou diretamente. Sou incapaz de olhar além do que é físico e próximo.
[...] É incapaz de pensar por mais de um segundo.
Matheus Oliveira