12 abril 2011

A Morte dos Admirados e a Minha Saudade

Todos aqueles ao meu redor estão desfrutando comigo uma dor inconfundível. Incomparável tanto quanto o café com leite sem açúcar que eu tomei agora a pouco. E não franzi o cenho. Meus aliados distantes como a chama do céu que queima o meu corpo. Estamos-nos todos prontos agora que as nuvens cobrem de prata o céu do outono. E o vento lento e calmo. Como sempre lento, calmo, seco, frágil. Ele assopra poucos galhos das árvores daqui. Ele esta ali do lado de fora sentado mais uma vez com um assassino nos dedos. E ainda assim tão calmo? Como num mundo tão violento e com a morte na mão ele pode ter tempo pra pensar? A minha conclusão tem nome. Esta é a dor. E ainda que eu tente estar ali ao seu lado com a morte a nossa companhia. Ele se fecha como uma pirâmide, porém sorrindo. Como ele pode ser tão grande? Tão arrogante e tão digno de admiração? Repleto de atalhos e segredos e mistérios e contos. E tão jovem quanto velho. E então ele cai na realidade do cotidiano novamente caminhando de volta numa linha rotineira. E eu aqui sentindo sua falta. Lembrando dos bons tempos quando a gente conversava.
E ela tão ocupada não estava em casa, por pelo menos três ou quatro dias. Não notei se passaram talvez, seis ou sete meses. Mas ela não estava mais ali por perto. E quando a vi, tão confusa e com os olhos concentrados. Não nos bancos, não nas flores, não nas pessoas. Como se alguma pessoa realmente estivesse ali, se não a carcaça. Nem ao menos nas árvores ao no céu. Ela não estava concentrada em mim e nem em meus olhos. Em meu colo ela estava somente soltando palavras. Queria como eu, recuperar a segurança de tempos atrás. No meu colo, havia de certa forma, um pouco do passado. E no passado haveria de ter um pouco de felicidade. Talvez? A morte novamente flutuando ao nosso redor tão serena e calma. Pois tem tempo pra isso. Parecia uma ciranda de negro fantasmagórico ao nosso redor. Pois era doce e meiga. E ela ainda franzindo o cenho levantou-se e voltou pra mesa de madeira antiga junto aos seus meninos. Rodeando a rotina com pena. E eu aqui sentindo sua falta. Lembrando dos bons tempos quando a gente conversava.
E ele dizia tão rápido. Ali sentando ao meu lado. Eu tinha medo de certa forma. Sua agitação e sua agressividade com as palavras e os estrangeiros. E eu que nem sequer entendia ou acompanhava. Ao longo das estações eu pude conhecê-lo como ninguém conhece. Talvez somente eu não ainda o conheça. Posso dizer que sinto a essência tocando a minha pele a cada instante. E falar dele é falar mais de mim. Pois tudo em mim. É mais dele do que meu. Ele  esculpiu-me sem querer do mesmo modo que eu falo dele refletindo em mim. Ele foi sempre tão alegre e sorridente e vê-lo aos prantos faz de mim um decadente. Tanto sou capaz com sua felicidade quanto sou incapaz com sua tristeza. E ele ali falando e gritando e chorando e perdendo o controle. E não sabendo o falar, como gritar, como perder-se. E eu aqui sentindo sua falta. Lembrando dos bons tempos quando a gente conversava.
E aquela inocência que ela tinha no último festival. Seus cabelos meigos que não estão mais roçando minha pele devagar. Ela falava como sempre. Maior que todos nós. Mais velha que toda a música que fez a música ser alguma música. Ela dizendo “sim” e encenando um não.  Ela me fitando os olhos e conversando em silencio. E eu sorrindo com medo. Ela abraçou-me com carícia e fez-me lembra dos velhos tempos. Ela me abraçou porque devia e não porque sentia. Ela me abraçou tentando espremer como numa laranja de sentimentos todo o passado que passamos juntos. Ela sentia sede do suco do passado quando era bom. Ela queria tudo de volta. Ela queria que nada fosse o que era. Mas queria ser quem era quando nada o fosse. Ela acenou caminhando de costas e sorrindo. Virou-se, mexeu no cabelo enquanto abaixava a cabeça e segurou na alça da mochila inquieta. Ela gritava em silêncio. E eu aqui sentindo sua falta. Lembrando dos bons tempos quando a gente conversava.
Eu gostaria de ser somente um amigo meu. Que me vê uma vez por dia e não sofre mais. Eu gostaria de não ser o assistente vip do meu dia. Eu gostaria de não viver aqui dentro. Pois eu acordo, eu penso, eu reflito, eu sonho daí eu sofro, eu caminho, eu penso, eu morro por segundos, resolvo-me, eu decido, eu vivo,  ando, alimento-me, vou e volto, eu volto novamente. E quando eu chego novamente ao ponto final de partida pro novo inicio da rotina e do cotidiano. Quando me deito. Eu fico aqui sentindo falta. Lembrando dos bons tempos quando a gente conversava em paz. E tudo mudou. E o mundo girou-se e eu ainda pensava que tudo seria normal agora. Que tudo seria bom, contudo. Eu sou diferente. Meus aliados estão alterados pelo destino e eu fico aqui morrendo. Deitando na rede com a morte nos meus dedos, seu cheiro nos meus lábios, e ainda assim tão calmo. Porém não. Quieto. Pensando...
Márcio Mattos e  Matt Castan