04 março 2012

Esperança (Primeiro Ato)


Era noite ou era dia. Contudo isso não tem importância. Lembro-me que o mais importante foi a incrível descoberta que eu fiz naquela rua. Eu caminhando pensativo com os olhos no chão e como raramente acontecia; com passos leves. Pensei até que os meus neurônios fossem tomados por chamas. E quando eles em fim queimaram alertando meu coração eu decidi que a minha vida mudaria e eu ganharia um rumo de calma e paz. Em fim na minha vida alguma coisa parecia ter sentido e melhora.
Esperança é um nome para um efeito que eu havia há anos deixado tomar o meu corpo. Borboletas intrusas e malignas que voavam sem respeito no meu estomago, patinhos sanguinários navegando no interior obscuro do sangue de minhas veias. Falta de ar e pele fresca. Medo e paixão queimando a superfície de meu corpo e os poros de minha pele. Eu poderia colocar um fim em todos aqueles sentimentos dolorosos que habitavam o interior de uma espécie de matéria dentro da minha matéria.
A razão tomou conta de mim. Meu corpo esfriou lentamente. Minha pele secou e meus olhos aos poucos perderam o brilho. Estanquei no tempo e no espaço. Parei de frente para a realidade e vi ali na minha frente um jovem como eu de trajes sem cor aproximando a mão branca do meu peito. Foi de arrepiar os nervos vê-lo perfurando meu peito com tanta facilidade. Ele não tinha, como você deve ter imaginado, unhas afiadas ou algo assim. Tinha uma mão doce e jovem. Unhas curtas e dedos gordos. Porém não deixou de doer quando ele perfurou meu peito é claro. Para inicio de discurso o tecido da minha camisa raspando na cicatriz do meu peito me gerou uma irritação enorme. A mesma fez meu corpo todo tremer de arrepio e forneceu-me também uma espécie de careta de nojo e repulsa. Depois disso eu senti uma pontada no pulmão e até imaginei que poderia ser culpa somente do cigarro. Contudo notei que era a força que ele fazia para arrancar alguma coisa de mim. E eu me distraindo com a beleza do céu naquele momento. Poderia dizer que eu sentia certo prazer. Se pode entender. Contudo eu vou manter a pose digna e descente de quem não tem essa espécie de desejo carnal abusivo.
O céu perdeu a beleza. Passei a notar que o azul era normal demais. Que as nuvens eram normais demais. Notei que o brilho da luz que tomava conta dele era luz normal demais para mim. Quando olhei para frente o jovem me sorriu como se sua meta houvesse sido concluída com sucesso. Sorriu-me uma, duas ou mais vezes e saiu da minha frente. E seu eu contasse que não notei o que ele levou embora?
Não me importo muito e nem sequer procuro me preocupar visto que depois daquele instante a vida perdeu toda a sua beleza. Era somente uma conclusão, contudo isto fez que a minha vida ganhasse um novo sentido e perdesse completamente todos os tons. Passei dias e dias enfurnado numa espécie de transe. Meu corpo se levantava da cama. Caminhava até o trabalho onde movia os braços ao som de ordens de uma desgraçada mulher que teimava em saber mais do que sabia e dizer mais do que podia. Eu via o relógio girar, mas não contava as horas e no fim do dia eu caminhava para minha cama para poder dar inicio aquilo de novo.
Passado algum tempo eu, distraído, fui baleado no meio da Praça Gomes Freire. Era tão tarde que ninguém viu isto acontecendo. Eu caí no chão e tremi por algumas horas. Senti uma faísca que não se apagava no meu pulmão. Maldito cigarro, pensei. Pois nem o sangue que jorrava e jorrava do meu peito me tirava àquela queimação. A faísca teimava em ficar acessa. Creio que depois dessa noite tomei um surro da realidade mais uma vez, para não perder o costume do universo e no dia seguinte senti um vazio onde na noite anterior sentia uma queimação. Notei que a falta de esperança me tornava um homem amargo e sem sentimentos.
Márcio Mattos